domingo, 28 de setembro de 2008

Machado morreu, antes ele do que eu

As celebrações, neste 29 de setembro de 2008, pelos 100 anos da morte do Bruxo do Cosme Velho, sempre chapa-branca e com o exagero de elogios e atribuições de genialidade esperados, instigaram-nos a verificar se havia textos que compactuassem com o que achamos do referido literário, e achamos dois , e assinamos embaixo. Ei-los:

PICUMÃ, TEIAS DE ARANHA E O BRUXO DO COSME VELHO

Por Sebastião Nunes

Dalton Trevisan, um dos três maiores escritores vivos do Brasil (os outros são Millôr Fernandes e Augusto de Campos), tem verdadeira ojeriza a Machado de Assis. Como velho conhecedor das cruéis batalhas que são os laços de família (perdão, Clarice, de amendoados olhos), o esquivo vampiro não perdoa as tibiezas do triste acadêmico, que viveu enfurnado em gabinetes empoeirados, levantando as mangas de pudicas senhoras para revelar-lhes os brancos braços aos olhos extasiados de caixeirinhos punheteiros.
Como sempre, Dalton tem razão. Se João estupora Maria e lambe o facão; se Nelsinho estupra a magricela antes do expediente (e ela gosta); se o escritor famoso estropia a tímida fã que lhe vai pedir autógrafo; se a velha desdentada se veste de vermelho no velório do velho cornudo, não seria ele, o Vampiro de Curitiba, que estenderia tapetes pros acadêmicos ficarem discutindo eternamente se Bentinho colecionava chifres ou se Capitu tinha olhos de sacana.
Tudo isso me veio à cabeça depois de reler, mais uma vez, Esaú e Jacó, com olhos de estudioso, tentando extrair do livro um mínimo de interesse. Em vão. Esaó e Jacu (desculpem o trocaletrário) é um dos livros mais chatos e insignificantes da literatura brasileira. Só não é o mais chato porque o próprio Machado também escreveu Memorial de Aires, outra pedrada no saco. Sem esquecer que tem muita gente se empurrando na fila dos piores e mais chatos, desde que Caminha, desencaminhado por estas bandas, escreveu sua famosa epístola ao rei.
Diante disso, e em benefício do próprio “Bruxo do Cosme Velho”, venho solicitar a algum escriba do congresso nacional – que tal José Sarney? – que proponha lei proibindo sua leitura por menores de 30 anos. Seria bom, ao mesmo tempo, propor outra lei, condenando ao degredo perpétuo em Roraima todo professor, universitário ou não, que tenha a coragem de nomear Machado de Assis o maior escritor que já surgiu debaixo destes alegres trópicos.
Está bem, vamos dar desconto. Quincas Borba é um bom romance, e o mesmo se pode dizer de Memórias póstumas de Brás Cubas. Podemos acrescentar aí uns dez ou doze contos que valem a leitura. Mas – perguntarão os letrados mais velhos – e o estilo? Sim, tem certa graça, existem achados interessantes, a linguagem é sóbria, a ironia está bem dosada. Mas se a gente pensa na safadeza que comia solta em Botafogo e São Cristóvão, como sempre comeu solta no mundo inteiro, o velho Machado era um escritor para senhoras reclusas e senhorinhas sonhadoras do século XIX. O típico escritor de folhetim, que aliás ele era, na mesma época em que o velho Dostô botava um pai e três filhos se despedaçando por uma xoxota. E em que o diplomata Eça fazia padre Amaro fungar que nem bode velho no cangote de Amélia.
Hoje os folhetins estão nas novelas de TV, onde se trepa (pelo menos tentam) o tempo todo. Quem não trepa na frente do telespectador trepa antes ou depois do capítulo. Até dá pra saber se foi antes ou depois, pela intensidade dos beijos dos atores. Aqueles de arrancar beiços revelam que ainda não, vai ser depois. Os meio murchos, de boca mole, declaram em altos brados que já era. A comida foi antes e os atores já andam a meio pau.
Tudo isso porque fiquei pensando na chusma de “estudiosos” universitários que escrevem, escreveram e escreverão teses e mais teses sobre o marido de Dona Carolina. Se a gente dobrar a esquina leterária, vai ver que a coisa é um formigueiro. Carlos Drummão de Andrade já deve ter contabilizado 12.222 teses; Cecília Meirinha, umas 6.666; Jorge de Limão, outras 3.333; Só Macu, o impávido colosso de Mario d’Andrade, cerca de 1.666,5; Castr’Alves, o vate mulherengo, 24.444 trambolhos; até os tropicalistas, depois que deixaram de ser olhados com olho de mau agouro e Gil virou ministro, já renderam 2.222 estudos.
Que significa isso? Significa que a universidade é um enorme vespeiro de trançar e cruzar referências, de preferência conservadas no formol do dejavismo e nos perfumes da falta de ousadia. Pegue você um autor fora da linha, desses que descarrilam se o vento sopra, dos que lambem chulé e cheiram meia sebenta (Glauco Mattoso serve bem de exemplo), ou dos que sabem que mãe é santa mas também trepa, que todo pai dá em cima das vizinhas mais fofinhas, que as tias chupam escondido os sobrinhos de seis anos – e vê lá se merecem uma linhazinha só dos universitários grimpados nos cumes da sapiência. Nécaras! Ficam nos luminares estelares dos caralhes (marmóreos) lá deles.
Escrevo esse lero-lero – e já encerro – pensando que a literatura atual, principalmente em prosa, é feita de baixaria, como a vida que vivemos diuturnamente, nas ruas, nas vielas, nas passarelas e nos puteiros de centrão e de subúrbio, quando não são puteiros ali bem refestelados nos salões de 333 metros quadrados de apês dos Jardins ou do Lebrão. Então me pergunto: quando tais escritores, que mais parecem tarados escumando perdigotos, irão merecer que castos(as) donzéis(elas) de letras escorreitas se debrucem sobre eles?
Núncaras! E assim mais se escancara o abismo entre vida, escrita (ou escritura, como eles mesmos gostam) e universitários estudiosos de alto coturno. Como aliás eu nem queria demonstrar, mas fica enfim demonstrado: literatura não tem nada com universidade. Muito antes pelo contrário, como dizia Maria Antonieta d’Alkmin, tomando conta de mim.


Sebastião Nunes, ex-poeta, também conhecido como Sabião Bestunes (criador do bestianismo sociológico, do atoísmo filosófico e autor de “Elogio da Punheta e o Mistério da Pós-Doutora” – Lamparina Editora, 2004). E-mail: dubolso@uai.com.br

Do site http://www.cronopios.com.br/site/colunistas.asp?id=2991#texto

O OUTRO LADO DE DOM CASMURRO
Por Millôr Fernandes

Publicado na revista Veja em 26 de janeiro de 2005

Quando se fala cada vez mais de Machado de Assis, a pretexto do cinema, permito-me, com o desrespeito que Deus me deu (inclusive em relação a Ele próprio) falar do Bruxo. Como não sou dos maiores e nem mesmo dos menores admiradores do fundador da Academia Brasileira de Letras (“a Glória que fica, eleva, honra e consola”, eu, hein?) não vou discutir a maciça, impenetrável, inexpugnável web que se criou em torno dele. Nem polemizar com a desconfiança que os maiores erúditos (com acento no ú, por favor) e curiosos têm pra relação equívoca entre Capitu, a “dos olhos de ressaca” (que Machado não explica se era ressaca do mar ou de um porre) e Escobar, o mais íntimo amigo de Bentinho, narrador e personagem principal do livro.
Essa desconfiança vem desde 1900, quando Machado de Assis publicou Dom Casmurro. Afinal Capitu deu ou não deu pro Escobar? Dom Casmurro é ou não é corno, palavra cujo sentido de infâmia - ainda mantendo bastante de sua força nesta época de total permissividade - na época de Machado era motivo de crime passional, “justa defesa da honra”, e outros desagravos permitidos pela legislação e pelos costumes. A palavra corno era tão infamante que mesmo o sangue não lavava honra nenhuma. O cara era corno e, lavasse ou não lavasse o brio dos seus chifres com todos os sabões e explicações, o universo dos olhares convergia, pelo menos ele assim sentia, pra sua infamada testa.
Curioso que, ontem como hoje, o epíteto "corna" não se grudou às mulheres. Ela é tola, idiota, “não sei como suporta isso!”, “corneia ele também!”, mas o epíteto não colou. Mas Dom Casmurro sofre da dor específica umas 50 páginas do romance, envenenado pela hipótese da infidelidade da mulher.
Eu, porém, ao contrário dos erúditos, não tenho hipótese. Capitu deu pra Escobar. O narrador da história, Bentinho/Machado, só não coloca até o DNA de seu (do Escobar, claro) filho porque ainda não havia DNA, que atualmente está acabando com o romance “policial” e a novela passional.
Mas Bentinho/Machado fica humilhado, desesperado mesmo, à proporção em que o filho vai crescendo e mostrando olhos, mãos, gestos e tudo o mais do amigo, agora morto. Bentinho chega a chamar Escobar de comborço (parceiro na cama conjugal).
Essa é a intriga principal do livro. Mas, curiosamente, pela nossa eterna pruderie intelectual, ainda ridiculamente forte com relação a outro tipo de relação, a homo, nunca vi ninguém falar nada das intimidades entre Bentinho e Escobar. É verdade que, na época, Oscar Wilde estava em cana por causa do pecado “que não ousa dizer seu nome”.
Mas, olhe, não estou afirmando nada. Leiam estes destaques (da edição da Editora Nova Aguilar), que colhi no original, e julguem. Quem fala é Bentinho/Machado:
(pág. 868)Chamava-se Ezequiel de Souza Escobar. Era um rapaz esbelto, olhos claros, um pouco fugidios, como as mãos, como os pés, como a fala, como tudo.
(mesma página)Escobar veio abrindo a alma toda, desde a porta da rua até o fundo do quintal. A alma da gente, como sabes, é uma casa com janelas para todos os lados, muita luz e ar puro... Não sei o que era a minha. Mas como as portas não tinham chaves nem fechaduras, bastava empurrá-las e Escobar empurrou-as e entrou. Cá o achei dentro, cá ficou....
(pág. 876)Ia alternando a casa e o seminário. Os padres gostavam de mim. Os rapazes também e Escobar mais que os rapazes e os padres.
(pág. 883)Os olhos de Escobar eram dulcíssimos. A cara rapada mostrava uma pele alva e lisa. A testa é que era um pouco baixa... mas tinha sempre a altura necessária para não afrontar as outras feições, nem diminuir a graça delas. Realmente era interessante de rosto, a boca fina e chocarreira, o nariz fino e delgado.
(mesma página)Fui levá-lo à porta... Separamo-nos com muito afeto: ele, de dentro do ônibus, ainda me disse adeus, com a mão. Conservei-me à porta, a ver se, ao longe, ainda olharia para trás, mas não olhou.
(mesma página)Capitu viu (do alto da janela) as nossas despedidas tão rasgadas e afetuosas, e quis saber quem era que me merecia tanto.- É o Escobar, disse eu.
(pág. 887)- Escobar, você é meu amigo, eu sou seu amigo também; aqui no seminário você é a pessoa que mais me tem entrado no coração...- Se eu dissesse a mesma cousa, retorquiu ele sorrindo, perderia a graça... Mas a verdade é que não tenho aqui relações com ninguém, você é o primeiro, e creio que já notaram; mas eu não me importo com isso.
(pág. 899)Durante cerca de cinco minutos esteve com a minha mão entre as suas, como se não me visse desde longos meses.- Você janta comigo, Escobar?- Vim para isto mesmo.
(pág. 900)Caminhamos para o fundo. Passamos o lavadouro; ele parou um instante aí, mirando a pedra de bater roupa e fazendo reflexões a propósito do asseio; lembra-me só que as achei engenhosas, e ri, ele riu também. A minha alegria acordava a dele, e o céu estava tão azul, e o ar tão claro, que a natureza parecia rir também conosco. São assim as boas horas deste mundo.
(pág. 901)Fiquei tão entusiasmado com a facilidade mental do meu amigo, que não pude deixar de abraçá-lo. Era no pátio; outros seminaristas notaram a nossa efusão: um padre que estava com eles não gostou...
(pág.902)Escobar apertou-me a mão às escondidas, com tal força que ainda me doem os dedos.
(pág. 913)Escobar também se me fez mais pegado ao coração. As nossas visitas foram-se tornando mais próximas, e as nossas conversações mais íntimas.
(pág. 914)A amizade existe; esteve toda nas mãos com que apertei as de Escobar ao ouvir-lhe isto, e na total ausência de palavras com que ali assinei o pacto; estas vieram depois, de atropelo, afinadas pelo coração, que batia com grande força.
(pág.925/26)(Depois da morte de Escobar)Era uma bela fotografia tirada um ano antes. (Escobar) estava de pé, sobrecasaca abotoada, a mão esquerda no dorso de uma cadeira, a direita metida no peito, o olhar ao longe para a esquerda do espectador. Tinha garbo e naturalidade. A moldura que lhe mandei pôr não encobria a dedicatória, escrita embaixo, não nas costas do cartão: “Ao meu querido Bentinho o seu querido Escobar 20-4-70”.

Mas, pros que ainda tenham qualquer dúvida, reservei para o fim a moral da história de Bentinho/Machado, a cena e a frase conclusivas. Está na página 845 do fúlgido romance. Bentinho, ele próprio, ficou pasmo com seu feito de bravura, quando conseguiu dar um beijo (na verdade apenas uma bicota) em Capitu. É ele próprio quem fala, cheio de entusiasmo, na página 845:
“De repente, sem querer, sem pensar, saiu-me da boca esta palavra de orgulho: - Sou Homem!”

Millôr Fernandes dispensa apresentações, é claro.


Por Olavo Sader

4 comentários:

Anônimo disse...

nada do que li acima demove minha admiração pelo maior escritor brasileiro de todos os tempos: O magnífico Machado de Assis.

e esses dois autores q vc escolheu não estão a altura para criticá-lo.

adão

Anônimo disse...

Quanto a Sebastião Nunes parece este autor considera Machado impróprio. Tanto é que não deve ser recomendável a quem tem menos de 30 anos. Não sei. Parece-me ser uma postura de quem não gosta de Machado de Assis. Natural, contudo.

Quanto ao Millôr não vi nada no texto dele que expressasse alguma coisa que fosse contrário a M. A. Apenas questiona se Bentinho era gay. Contrariando a dúvida de muitos: Bentinho fora traído ou não por Capitu. Entendo que Millôr resolveu olhar Bentinho como um Gay, antes de um traído. O que procurou mostrar em algumas passagens. Outra situação, diga-se de passagem, natural.

Adão, vc não disse que não mais entraria aqui, desconfio que análise lacaniana ou freudiana, sei lá... te deixou um pouco com o complexo de mulher de malandro, já que vc toma porrada e sempre volta.

Adão, sai do armário. Ou melhor seria Bentinho?

Anônimo disse...

Senhor anônimo, porque escreves "Gay" em maiúscula? acaso fazes parte da causa?

O que eu quis dizer e que você não entendeu, foi que as observações nada esmiúçam sobre a obra de Machado. Apenas, para fins de brincadeira, tentam igualar-se ao mestre por teses absurdas.

Se queres saber sobre o autor em questão,digo: a história de vida dele é um exemplo. Em primeiro lugar, porque ele tem um esplêndido domínio da língua portuguesa, mas também porque ele mergulha fundo na alma brasileira. Assis soube tirar o melhor da essência humana e retratou o período em que viveu em um formato universal, lidando com temas do cotidiano que não envelhecem como: amor, traição e ciúmes. Saiba que o Rio de Janeiro em que ele [Machado de Assis] viveu era a capital federal e, mais do que a capital federal, era a caixa de ressonância dos dramas brasileiros. Ele soube abordá-los mostrando personagens que vivem situações, as mais diversas. Isto, sim, uma escrita de mestre.

então cala a boca seu merdinha filho da puta

Anônimo disse...

O que tem a ver história de vida com o domínio da língua portuguesa? Domínio da língua é obrigação de quem a expressa independentemente de sua história de vida, ponto.

Se a tese é absurda deve-se rebatê-la; utilizando-se, é claro, da expressão escrita. Depois saber fundamentar porque a tese é absurda. Mas isso exige um esforço que o adão certamente não é capaz de realizar por lhe faltar neurônios. O adão como um bom selvagem só se manifesta, pobremente diga-se de passagem, através de uma articulação non sense.
adão não fique aborrecido só porque pedi para vc sair do armário. É que, se não estou enganado, vc mesmo disse que não entraria mais aqui. Achei estranho o fato de passar sempre por aqui e encontrá-lo. Por isso adão procurei encontrar alguma espécie de complexo em vc. Que resolvi denominar: complexo da mulher de malandro.
Tudo bem! Não precisa sair do armário, pode ficar dentro dele. Aconselho no entanto que compre um bem grande, pois uma vez não saindo pode ficar dentro dele e sair dele, dentro dele. Se é que me entende.
Em tempo, desde de quando Gay é uma causa? Não tenho o hábito de tratar casos assim de causa, por isso me chamou atenção. Costumo vê-los como efeito de alguma causa estranha à natureza.
adão calma, calma. Eu sei que vc gosta do M. de A. Mas quando for defendê-lo ao menos faça com razão.

Beijos,