quinta-feira, 31 de julho de 2008

História secreta da Academia Brasileira de Letras

(...)
Corria o ano de 1896. Era meia-noite. Recostado na poltrona favorita, Machado de Assis lia pensativo, enquanto esperava Carolina voltar do teatro. Nas mãos, a edição inglesa das Bioi Paralleloi, de Plutarco, aberta nas páginas dedicadas a Marco Júnio Brutus, filho adotivo e um dos assassinos de Júlio César.

A Rua Cosme Velho estava deserta, de quando em quando um cão uivava para a lua, um gato miava, um bêbado cantava ao violão. Machado cismava.

— Com os diabos. Será que perdeu o último bonde e foi dormir na casa do irmão Faustino? Quando saiu, às três horas da tarde, disse que ia ao dentista, depois à modista, depois ao chá de caridade de Sofia Palha e, lá pelas oito, ao teatro, ver a representação do último sucesso da Companhia Fogo-Apagou, A Moreninha, adaptação do romance de Macedo, aquele defunto babão. Tudo bem, era um extenso programa, mas meia-noite também é demais para uma senhora casada e já entrada em anos. Carolina não é mais uma sirigaita vulgar!

Retomou o livro, no trecho em que Brutus e seus amigos cercaram César no Senado e se preparavam para apunhalá-lo. Mas não conseguia se concentrar.

— E se ela estiver mentindo? E se tiver um amante, como insinuaram antes do nosso casamento?

Um punhal de gelo riscou a espinha do notável romancista. Pensou no Dom Casmurro*, livro que andava rascunhando, e se sentiu pior do que Bento Santiago, o Bentinho, futuro personagem principal da trama.

— Tenho de fazer alguma coisa. Com quem poderia ela estar até agora? E passou a enumerar os amigos que freqüentavam a casa, muitos dos quais lançavam, com inquietante freqüência, olhares compridos em direção a Carolina.

(1) Luís Murat? (2) Coelho Neto? (3) Filinto de Almeida? (4) Aluísio Azevedo? (5) Raimundo Correia? (6) Teixeira de Melo? (7) Valentim Magalhães? (8) Alberto de Oliveira? (9) Magalhães de Azeredo? (10) Rui Barbosa? (11) Lúcio de Mendonça? (12) Urbano Duarte? (13) Visconde de Taunay? (14) Clóvis Bevilácqua? (15) Olavo Bilac? (16) Araripe Júnior? (17) Sílvio Romero? (18) José Veríssimo? (19) Alcindo Guanabara? (20) Salvador de Mendonça? (21) José do Patrocínio? (22) Medeiros e Albuquerque? (23) Machado de Assis? (24) Garcia Redondo? (25) Barão de Loreto? (26) Guimarães Passos? (27) Joaquim Nabuco? (28) Inglês de Sousa? (29) Artur Azevedo? (30) Pedro Rabelo? (31) Luís Guimarães Júnior? (32) Carlos de Laet? (33) Domício da Gama? (34) Pereira da Silva? (35) Rodrigo Otávio? (36) Afonso Celso? (37) Silva Ramos? (38) Graça Aranha? (39) Oliveira Lima? (40) Eduardo Prado?

— Um deles, ou vários deles?

O suor pingou-lhe da testa sobre as lunetas de leitura.

— Bem — pensou. — O de número 23 sou eu mesmo, portanto não posso ser o amante de minha mulher. Patrocínio, de número 21, é negro, Carolina não se rebaixaria tanto. Raimundo Correia, número 5, dizem que é fresco, e pelos trejeitos deve ser verdade. O Visconde de Taunay, número 13, vive metido no mato, em suas expedições militares, comido de carrapatos. Mesmo assim sobra muita gente. Que fazer?

Levantou-se, foi até a janela — e nada. O silêncio da rua respondia com brutal silêncio. Detestou a frase. Ridícula! Não era razoável que ele, o mais notável romancista do país, estilista finíssimo, pensasse de tal maneira. Araripe Júnior (16), tudo bem. Salvador de Mendonça (20), também. Mesmo Graça Aranha (38) podia se dar a tais deslizes. Mas ele, jamais! Era preciso elegância, elegância acima de tudo.

Voltou à poltrona, retomou o livro e leu, sem parar ou pensar, com feroz alegria, a narrativa da morte de César, massacrado pelos amigos liderados por Brutus. Sim, se fosse o caso, ele também se vingaria. Mas se vingaria de quem? Tirando os sete que havia listado, sobravam 33. E se todos fossem culpados?

O suor inundou-lhe a testa, escorreu pelo rosto, desceu pelo colarinho, encharcou a camisa branca. De repente, ergueu-se de um salto.

— Já sei — exclamou. — Já sei. Fundarei uma academia de letras, nos moldes da francesa. E os acadêmicos serão exatamente 40, os mesmos que lembrei, nomeei e numerei, que são todos meus amigos. Desse modo poderei vigiá-los de perto, de muito perto!

Sorriu quase feliz, deu um piparote na mesa, jogou o livro na poltrona e foi abrir a porta para uma risonha Carolina, que chegava de tílburi exatamente quando o relógio batia uma hora da manhã.

Trazia um buquê de camélias e um fulgor selvagem nos olhos de ressaca.

***

*Sim, foi nessa noite que se consolidou, no espírito do austero Machadinho, a idéia de terminar seu famoso romance, baseado em seus próprios devaneios de macho ofendido e humilhado.

(...)

Enviou-nos o historiador Sebastunes Nião este trecho de uma biografia romanceada, ainda no prelo, baseada num, até então desconhecido, diário mantido por Machado de Assis.

Olavo Sader ( Bacharel I)

2 comentários:

Anônimo disse...

porra meneiro esse estudo. ducaraio se a imprensa saber q um estudo dese foi feito justamente no lugar do vacilo do fenomeno. vai bombar esse blog. posso colocar o lionk dele no meu blog?

modoideira.blogspot.com

abraço

Juliano

entre em contato comigo preu ajudar a divulgar esse seu blog irado

julianosk8@yahoo.com

Anônimo disse...

ISSO É VERDADE MESMO? SOBRE O MACHADO DE ASSIS? QUE HISTORIADOR É ESSE?