sábado, 19 de julho de 2008

Pérolas aos Poucos 1 ( resgatando do ostracismo)

MC Marcão, o Concretista

MC Marcão ou Antônio Marcos Silveira, nasceu em Madureira, subúrbio do Rio, em 1967. Em 1985, começa a trabalhar de servente de pedreiro em quase todos os bairros da periferia do Rio de Janeiro. Nessas andanças encanta-se pelo ritmo funk e passa sua adolescência e juventude em meio a este clima musical.

Com a ampliação do acesso à freqüência FM, a partir da década de 80, o funk no Rio começou a ser influenciado por um novo ritmo da Flórida, o Miami Bass, que trazia músicas mais erotizadas e batidas mais rápidas. Marcão, então, enquanto chapiscava uma parede, assentava um azulejo, só ouvia a FM O Dia, pois só a FM O Dia dedica grande espaço em sua grade horária para os falsos sucessos feitos no ritmo funk, um dos mais famosos é a regravação de uma música de Raul Seixas: o "Rock das Aranhas" que vira hit e se junta a ele outras músicas feitas com muito humor e sem muito apelo político como adaptações de músicas do funk norte-americano e gravações de cantores latinos como Steve B, Corell DJ, entre outros MC's. Dentre os raps que marcam o período mais politizado (mas sem perder o humor) no funk é o "Rap do Acari" que abordava o tema da famosa Roubauto, feira de peças de carro roubadas pelas cidade - a feira muito eclética era sinônimo da precariedade do acesso dos pobres da periferia e outros marginalizados à bens de consumo.

Marcão, desolado por já estar com os dezoito anos e ainda ser analfabeto, pede para seu amigo de obra, o pedreiro Tuto, para lhe ensinar a ler e a escrever. Tuto, leitor voraz, recentemente enebriado por um livro concretista que caíra-lhe nas mãos, decide educar Marcão através do livro Viva Vaia do poeta concreto Augusto Luís Browne de Campos. E, depois de alguns meses, consegue.

A partir desse momento, Marcão passa a ler somente poesia concreta. Continua trabalhando como servente de pedreiro e começa a arriscar seus próprios poemas. Como os seus ídolos Augusto de Campos , Décio Pignatari , Haroldo de Campos e Luiz Sacilotto , Marcão então ( com o perdão do trocadilho) apenas um servente de pedreiro no grande edifício do concretismo escreve seus primeiros versos:

PRATO CHEIO

Bom apetite!

Bonapetit!

Boit!

Arros e fej/ ã/ o e farinhosca

Com doeis O(vos) en CISMA

E 2ª conchacrá de marlhe de corno

Tô de bucheio!

Marcão, depois de concluir estes versos, mostra-os aos amigos de obra que, não entendendo patavinas, começam a debochar do poeta. Ele não esmaecia e explicava pra rapaziada que seus versos defendiam a racionalidade e rejeitavam o expressionismo, o acaso, a abstração lírica e aleatória e que não havia intimismo nem preocupação com o tema, seu intuito era acabar com a distinção entre forma e conteúdo e criar uma nova linguagem, propunha a obra pela obra.

Geladeira, o mestre-de-obras , ao ver que os devaneios líricos do rapaz estavam atrasando a conclusão da obra, chama-o num canto para repreendê-lo. Marcão, após o sermão profissional do seu superior, passa a se envolver em temas sociais. As obras passam a ser mais e mais preocupadas com a inovação da linguagem. Marcão tinha em Vladimir Mayakovsky um grande expoente; repetia, entre o assentamento de um tijolo e outro, a afirmação do poeta russo que não há arte revolucionária sem forma revolucionária.

Marcão é despedido da empreiteira.

Marcão,então , consegue vaga como carregador de caixa de som na Equipe de funk Cash Box. Seus serviços eram tão eficientes que passara a trabalhar de carregador de caixas em quase todas as equipes do Rio: Jet Black, Disco Dance, Signus, A Bolha, Supersonic, Hollywood e Studio Ld. Adorava a idéia: tinha tempo para continuar a escrever seus poemas ( desde que carregasse as caixas, ninguém lhe enchia o saco) e sempre pegava uns bailes de graça.

Só que ele descobrira que ainda não trabalhava de carregador para as melhores. Nesta época surgem, com destaque A Coisa, O Kakareko e as duas grandes rivais Pipo's e Furacão 2000 que organizavam bailes dançantes. Nos dias de folga passa a frequentar os primeiros bailes fechados em clubes da periferia como a Paratodos da Pavuna, Pavunense, Exentric (Duque de Caxias).

Marcão, entre carregar caixas, escrever poemas concretos e curtir bailes maneiros, passa a ser testemunha ocular do início desse fenômeno musical carioca.

Ao longo da nacionalização do funk, os bailes, até então, realizados nos clubes dos bairros das periferias da capital e região metropolitana, expandiu-se para eventos em céu aberto, nas ruas, onde as equipes rivais se enfrentavam disputando quem tinha a aparelhagem mais potente, mais traficantes, o grupo mais fiel e o melhor DJ. Neste meio surge o DJ Malboro, um dos vários protagonistas do movimento funk.

Com o tempo, o funk ganha grande apelo dos marginalizados e se afirma como a voz da periferia, cujas letras cantadas pelos MCs, enfatizavam às reivindicações populares pelo combate da violência policial nas comunidades carentes dos morros cariocas. As músicas tratavam o cotidiano dos freqüentadores: abordavam a violência e a pobreza das favelas.

Marcão percebera, nessa época, que havia um grande silêncio sobre o funk, que continuava a ser popular nas rádios piratas (algumas eram de controle das equipes de som) e agora tratam dos temas ligados aos grupos criminosos, como o Comando Vermelho, ADA e etc, servindo como inspiradores de combates e aviso sobre a troca de comando local, ou sobre a sujeição dos moradores da área a nova ordem: o funk falava principalmente sobre as drogas, as armas, os comandos, muitas vezes convocando moradores de favelas a participar de atos de violência ou pregando o extermínio de inimigos.

Marcão desiludido com a pobreza lírica dos versos dos funks, passa a compor letras grandemente influenciadas pela poesia concreta. Como tinha boas influênias no meio, mostra para quase todos os DJ’s conhecidos e donos de equipes:

VAI PRA VALA

Vala prai

Prala vai

Lapra pai

Pra vai vala

Nesta mesma época da composição de Vai pra Vala, o funk adota como temática o sexo apresentado sempre como uma simples cópula, muitas vezes acompanhados de gritos e gemidos. Não por acaso bailes funk passaram a ter bacanais entre os participantes, na maioria das vezes menores de idade. Tais orgias começavam após a execução de alguma música que era previamente conhecida como sinal para o início do sexo. Surgiram nas favelas os bebês "filhos do trem", crianças geradas em "trenzinhos" por sexo de adolescentes com desconhecidos. Nacem daí hits como “ A Dança da Chapeleta”, “Dança da cabeça” e “Dança da bundinha”, entre outras. Marcão, com toda a sensuualidade dá luz a :

DANÇA DO ABORTO

Para Stéphane Mallarmé, James Joyce, Ezra Pound, Vladimir Maiakóvski, Arnaut Daniel e E. E. Cummings.

Dança do aborto. Você meche a bundinha e o bebê nasce morto.

Dança do aborto. Você meche a bundinha e o bebê nasce .

Dança do aborto. Você meche a bundinha e o bebê .

Dança do aborto. Você meche a bundinha .

Dança do aborto. Você meche .

Dança do aborto. Você.

Dança do aborto.

Dança .

;D

Sem muito sucesso com essa canção, Marcão segue sua vida.

Evidentemente os bailes funk também propiciaram a expansão da AIDS nas favelas cariocas. O jornalista Tim Lopes morreu assassinado por traficantes de drogas quando investigava denúncias de exploração sexual de menores em bailes funk. Alguns artistas desta fase, como Claudinho e Buchecha, enveredaram para outros tipos de tema. Os chamados "charmeiros" são um grupo de resistência a este cenário, mas que acabam sendo suprimidos, inclusive, pela mídia. Ao mesmo tempo que as músicas abordavam o cotidiano das classes baixas, alguns bailes começaram a ficar mais violentos e ser palco de "brigas de galeras", onde pessoas de dois lugares dividiam a pista em duas e quem ultrapassasse as fronteiras de um dos "lados", era agredido pela outra galera. Os chamados “Lado A” e Lado B”. Estas galeras podiam ser representadas por moradores de um vs. outro bairro, torcidas organizadas de times, grupos de equipes rivais, grupos de facções rivais, etc...Marcão compõe a canção Lado C:

LADO C

Lá doce. ¨Tem¨ -o-o-o- Lado cê. Tam nrevoso. Lá / dô / cê

Pancaradariafolgolfadasãodesanguesapasindoponaparipiz

Con – spiração terrorista

Com – trafação ninilista

Cam – pesinidade suburbana

Bem

bom

Este poema é uma teia de elos sonoros e semânticos meticulosamente construída. Lado C” é o tema que se expande. “Tem” em forma de cruz para cima (“tem”), para um lado (“tem”), para o outro (“tam”) e para baixo (“tom”). “São” o faz em diagonal “som” e “sem som” . Os elementos que sobram formam um triângulo: “con”, ”com” e “can”- e uma diagonal: “bem”, “bem”. Todos estão a uma mesma distância do centro que é um nó em tensão. Segundo os princípios das palavras, há quatro grupos (“t”, “s”, “k” e “b”, mas há somente um se considerarmos as letras finais (todas estão enlaçadas pela nasalização). Assim como Marcão extrai quantidade de possibilidades do visual das palavras, também aproveita sua sonoridade, indo do “com som” ao “sem som” e extraindo valor onomatopaico das sílabas. Ao fazer um percurso clássico do olhar – da direita à esquerda -, vê-se que o poema é a tensão entre o silêncio: do “com som” ao “sem som”.

A pressão da polícia, da imprensa e a criação de uma CPI na Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro em 1999 e 2000 suprimiram bailes, principalmente, os próximos a áreas urbanas nobres, pois além da potência das caixas de som estarem sempre acima do permitido normalmente 85dB (decibéis) por lei ,geralmente, eles começavam depois das 22h - e acabaram com a violência em poucos dos bailes,pois a maioria sempre acabava em tiroteio, ao mesmo tempo em que as músicas se tornaram mais dançantes e as letras mais sexuais. E o consumo de drogas nos bailes era evidente.MC Marcão prontamente fez Coca-cola II.

COCA-COLA II

CHEIRE COCA COLA

CHE COCA

CHEIRE COLA

CHEICO RELA

CHEIRACÃO NO OLHO DO BALAILE DA FURACÃO 1002

Vemos que o funk-concretismo, ao oferecer possibilidades várias de leituras, como se pode verificar pela análise do poema, em que o caráter esotérico é substituído por forte ideologia, como podemos observar.

Não obstante MC Marcão falar apenas em antipropaganda, ao referir-e a este poema, analisando mais profundamente as coordenadas fonêmico-semânticas dos vocábulos que se metamorfoseiam ao longo do texto, observamos que subjaz às palavras um conteúdo que vai além do meramente verbivocovisual. Já no segundo movimento, a metátese fonêmica que redundou na passagem de cheire para che, evidencia o processo ideológico e o discurso do silêncio, subjacente ao visual. Beber coca-cola não figura nos países do Terceiro Mundo, tão-somente como ato de sorver o liquido e matar a sede; é, antes, o ato de absorver uma cultura que se coloca por trás do discurso visual, ou se mistura com a essência da cocaína. Che, além de se referir diretamente ao ato de revolucionar, próprio de quem vai ao poete sem se precaver, reserva uma carga semântica que se interconecta às conseqüências da perda da identidade cultural. Esse raciocínio se clarifica quando verificamos que rela se correlaciona, ainda, a fala melíflua, fala enganosa da propaganda e do domínio cultural que se impõe aos povos subdesenvolvidos. Alicerçando nossa interpretação, observamos que a ação de cheirar não se refere somente mais a cocaína, como o fizera a de che, mas a cola. Ora, cheirar cola é, de certa maneira, aderir ao consumismo, que compreende toda a dinâmica do capital e, sobremaneira, do copismo cultural.

E Marcão, infelizmente, ainda não conseguira seu tão esperado sucesso.

Do morro ao asfalto o funk conseguiu, de uma maneira não muito usual, mascarou seu ritmo, mostrando-se mais parecido com um rap americano e integrou um pouco mais as classes cariocas. Seu ritmo hipnótico por sua batida repetitiva também contribuíram para essa adoração, algumas letras eróticas e de duplo sentido normalmente desvalorizando o gênero feminino também revelam uma não originalidade em copiar de outros estilos musicais populares no Brasil como o Axé music e o forró.

Acreditando no próprio talento e insistindo na fama,o já autodenominado MC Marcão delineia sua obra mais fácil: Cabaço. A letra de caráter assumidamente popularesca ( MC Marcão, já com 4 filhos pra criar, decide não arriscar mais no hermetismo) e propõe um novo limite da poesia, não mais a linearidade do verso, mas o espaço bidimensional da página, e que depois, passa a ser explorado inclusive em perspectiva, passando para a ilusão da tridimensionalidade, abrindo um leque de possibilida­des criativas .

CABAÇO

;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;Cabaço baço aço çoba aboça ;;;;;;;;;;;;;;;;;çobaça

aboça çobaça Cabaço ;;;;;;;;;;;;;;; baço aço

baço aço çoba aboça çoba aboça çobaça

baço aço çoba aboça çobaça ;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;

Com o conceito de verbivocofunkvisualidade, Marcão buscava definir sinteticamente as possibilidades da palavra neste tipo de poesia. Além da palavra enquanto signo oral e escrito, cores, formas e o próprio espaço eram elementos de composição. Este poema fundado nas possíveis permutações de letras dessa palavra ( Cabaço), a qual, como que por acaso, só é legível uma vez em todo o texto, e esse acaso, perdido no aparente anonimato de seqüências de letras privadas (ou quase) de semântica (digo 'quase' porque numa delas, por exemplo, se pode reconhecer a palavras cabaço ... ), é que constitui a informação estética, poema, utilizando 60 combina­ções possíveís entre as seis letras de cabaço, dividídos em grupos de 6 combinações cada. A relação entre o significado da palavra "cabaço" e o poema é evidente.

MC Marcão, o degregado do funk, o paria, continua lutando, depois de mais de 30 anos, entre a fusão da poesia concreta o o funk carioca. Quanto mais o funk torna-se popular, mais MC Marcão cai no ostracismo.

O funk, no século XXI ganha espaço fora do Rio e reconhecimento internacional, quando foi eleito umas das grandes sensações do verão europa de 2005 e ser base para um sucesso da cantora inglesa MIA, "Bucky Done Gun". Um dos destaques desta fase, e que foi objeto até de um documentário europeu sobre o tema é a cantora Tati Quebra-Barraco que se tornou uma figura emblemática das mulheres que demonstra resistência à dominação masculina em suas letras em que põe a mulher no controle das situações.

Com o nascimento de novas equipes de funk e rádios de funk, além do interesse cada vez maior nos bailes, principalmente o Baile do Castelo das Pedras, em Rio das Pedras, Zona Oeste, o funk vem se firmando como um ritmo forte e crescente.

E Marcão continua até hoje compondo suas letras, e acreditamos que em breve sua genialidade será reconhecida.


de Olavo Sader ( Bacharel I )

Um comentário:

Anônimo disse...

até que enfim você liberou para postar no blog sem que tivéssemos que criar uma conta.´Meu anjo, brigada por colocar na postagem de comentário daqui desse texto aquele e-mail que eu te mandei. quem tiver fotos que eu não tenhaou mais informações sobre meu tio, pode mandar por e-mail pra mim, e quem quiser mais informações sobre ele ( fotos,vídeos,xeros dos rascunhos das composições dele entre outras coisas) manda um e-mail pra mim

bjs

analuciacarioquinha@gmail.com